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sábado, 22 de maio de 2010

Complexidade Humana

Volto agora ao problema humano. Quando falamos do homem, sentimos que

nos referimos a algo genérico e abstrato. O homem é um objeto estranho, algo

simultaneamente biológico e não-biológico. Com a maior comodidade, estudamos

o homem biológico no departamento de biologia e o homem cultural e psicológico

nos departamentos de ciências humanas e de psicologia. O homem tem um

cérebro, que é um órgão biológico, e um espírito, que é um órgão psíquico. Acaso

alguma vez ambos se encontram? O espírito e o cérebro não se encontram

jamais. As pessoas que estudam o cérebro não se dão conta de que estudam o

cérebro com seu espírito. Vivemos nesta disjunção que nos impõe sempre uma

visão mutilada.

Mas, além disso, o homem não é somente biológico-cultural. É também uma

espécie-indivíduo; o ser humano é de natureza multidimensional. Por outro lado,

esse homem, que nossos manuais chamavam homo sapiens é ao mesmo tempo

homo demens. Castoriadis disse: “ O homem é esse animal louco cuja loucura

inventou a razão”. O fato é que não se pode estabelecer uma fronteira entre o que

é sensato e o que é louco. Que é, por exemplo, uma vida sensata? É uma vida na

qual se presta muita atenção em não tomar vinho, não comer molhos, não sair,

não viajar em avião, não correr nenhum risco para conservá-la o maior tempo

possível? Ou é uma vida de consumo, de gozo, de embriaguez, na qual se arrisca

perder a vida? Evidentemente, ninguém pode dar resposta a esta pergunta.

Nesse homem que é sapiens e demens, há uma mescla inextrincável, um

pensamento duplo: um pensamento que chamaria racional, empírico, técnico, que

existe desde a pré-história e é anterior à humanidade (posto que os animais

executam atos empíricos, racionais e técnicos), mas que, evidentemente, o

homem desenvolveu. Também temos um pensamento simbólico, mitológico,

mágico. Vivemos permanentemente em ambos os registros. Não se pode suprimir

a parte dos mitos, as aspirações, os sonhos, a fantasia. Todos os que se

interessam por psiquismo, pela psicologia humana, sabem que os sonhos, os

fantasmas, as loucuras são partes integrantes do ser humano. Não são vãos,

superestruturas que se desvanecem, mas sim seu tecido. Como dizia

Shakespeare: “Somos feitos da matéria dos sonhos”. Por que esquecer isto? Por

que ter sempre opiniões compartimentadas? Por que considerar os seres

humanos segundo sua categoria sócio-profissional, seu nível de vida, sua idade,

seu sexo, de acordo com questionários de opinião ou documentos de identidade?

Cada ser, inclusive o mais vulgar e anônimo, é um verdadeiro cosmos. Não só

porque a profusão de interações em seu cérebro seja maior que todas as

interações no cosmos, mas também porque leva em si um mundo fabuloso e

desconhecido.

Durante longo tempo, a superioridade da literatura com respeito às ciências

humanas residiu precisamente em dar conta deste aspecto, num momento em que

as ciências humanas haviam anulado por completo a existência do indivíduo.

Enquanto que hoje a biologia nos mostra a extraordinária diversidade de

indivíduos, não só anatômica, mas também psicológica. Neel, num belo texto,

Lessons from a Primitive People, estudou uma tribo indígena da Amazônia que

durante 500 anos viveu isolada das demais. Aí encontrou indivíduos tão diferentes

uns dos outros como os que podem ver no metrô de Paris ou no de Buenos Aires.

Os indivíduos existem, estão aí. E a singularidade, o concreto, a carne, o

sofrimento, tudo isto é o que faz a força da novela. Quando Balzac tentou

compreender as pessoas através da análise do rosto, de seu comportamento, de

sua maneira de apresentar-se, dos móveis com que se cercam, de seu ambiente,

enfim, faz algo que é evidentemente complexo. Quando Stendhal mostra a

importância de pequenos detalhes, em aparência insignificantes, mas que ocupam

um papel tão importante na vida, faz uma obra de complexidade. Quando Tolstoi

mostra a superposição dos indivíduos e da grande história, como no príncipe

André em Guerra e Paz, enlaça a alma individual e o destino histórico global. E

Dostoievski, quando descobre as intermitências, as bruscas mudanças que

fazemos de uma parte de nós mesmos a outra parte de nós, mostra que é

impossível racionalizar numa fórmula um ser humano. Os grandes novelistas

ensinaram o caminho da complexidade, mas ainda que não o tenham feito em

forma conceitual, no plano do pensamento filosófico e científico, sua contribuição é

necessária para todo pensamento filosófico e científico.

Quero terminar com duas metáforas. A primeira provém de Jules Michelet, que,

num belo livro sobre o mar, imaginava o aparecimento das baleias. Michelet nunca

havia visto as baleias se acasalando e supunha que, para que houvesse

fecundação, o macho e a fêmea devessem elevar-se verticalmente ao mesmo

tempo e acoplar-se num instante. Certamente haveria muitos fiascos e as baleias

deveriam recomeçar uma e outra vez, até que ao final conseguissem e se

produzisse a fecundação. E assim seria como as baleias têm filhos. Enfim, a

realidade é mais prosaica, porque as baleias se acasalam horizontalmente. O que

quer dizer esta metáfora é que o mundo da ação política carece de eficácia física

que pode ter um martelo golpeando um prego. Quanto mais golpes de martelo,

mais se afunda o prego, que é o que desejamos. Mas no mundo político estamos

como a baleia, tratando de fecundar. E devemos estar contentes se encontramos

nosso caminho.

A segunda metáfora provém da crisálida. Para que a lagarta se converta em

borboleta, deve encerrar-se numa crisálida. O que ocorre no interior da lagarta é

muito interessante; seu sistema imunológico começa a destruir tudo o que

corresponde à lagarta, incluindo o sistema digestivo, já que a borboleta não

comerá os mesmos alimentos que a lagarta. A única coisa que se mantém é o

sistema nervoso. Assim é que a lagarta se destrói como tal para poder construir-se

como borboleta. E quando esta consegue romper a crisálida, a vemos aparecer,

quase imóvel, com as asas grudadas, incapaz de desgrudá-las. E quando

começamos a nos inquietar por ela, a perguntar-nos se poderá abrir as asas, de

repente a borboleta alça vôo.

Edgar Morin em Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade
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REDUCIONISMO X MULTIPLICIDADE


Como citei noutro tópico, cabe aqui a habilidade de empatia! Aquela se saber se colocar no lugar do outro. A de não se colocar no lugar de juiz das ações e atidudes alheias, distinguindo o "certo" do "errado". E, o que é verdadeiramente o certo e o errado? Todos temos a resposta dentro de nós diante de cada situação que se nos apresenta...não posso julgar o outro por suas ações se não estou no lugar dele. Um olhar fixo, retilínio, mesmo que específico (como no texto de apoio) pode exaltar um determinado enfoque. No entando, a vida é feita de uma centena de milhares de enfoques. Para podermos interagir com maior discernimento, é necessário que consigamos ir construindo, paulatinamente, saber em todas as áreas. É como um curso. Alguns gostam mais de humanas (filosofia por ex.) outros mais de exata (olhem a matemática...) mas para que possamos concluir, necessário que estudemos e passemos em todas, mesmo que com a nota mínima em algumas...temos de estar perceptivos a tudo que nos cerca( e isso não significa receptivos, concordes) para assim podermos crescer. Posso não concordar com o que tu diz, mas tenho de saber ouvir. O respeito às diferenças.Não é por ser diferente que é bom ou ruim. O ser bom ou ruim é neutro na sua essência. Fará diferença quando comparado com nossas crenças interiores...mas a beleza está em alargar pensamentos dissecando o diferente sem preconceitos, mas sim pela riqueza de oportunidade de crescimento, mesmo que não venhamos a nos apropriar e vivenciar o diferente no nosso dia-a-dia

by Luciano Steffen

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