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sábado, 22 de maio de 2010

As tartaruguinhas marinhas

Não ousaria falar em destino. Não com o fatalismo que recheia essa

palavra, pelo menos. Mas quero falar do inevitável, de algumas coisas que fazem

parte da trajetória de cada um, a viagem sem volta da história em movimento, da

impossibilidade de permanência. Em algum lugar, Rainer Maria Rilke escreveu um

pequeno poema que diz algumas coisas disso aí. Não tem título, não sei quem

traduziu, não sei de onde tirei:

Como os pássaros,

Alguns que moram nos grandes sinos

Dos Campanários

Súbito, pelo sentimento da retumbância

São desalojados e impelidos em seu vôo

No ar da manhã

E escrevem a bela forma de seu susto

Ao redor das torres:

Não podemos permanecer em nossos corações

Quando os sinos soam.

Este jogo começa com um preâmbulo de fatos. Tudo são fatos. Só posso

falar em fatos. Mas eles traduzem o intradutível: os acontecimentos. Os fatos que

precedem o início do jogo é a grande tartaruga marinha fêmea, prenhe de muitos

ovos, rastejando pela praia, com dificuldade. Ela já acasalou e foi feliz (isso é decisão

minha, não precisava). Veio à praia fazer seu ninho. Bem longe do alcance da água,

cava lentamente um grande buraco. Ali, deposita seus ovos e os cobre com a areia

quente. Não é ela quem vai chocá-los, mas o calor do sol. Sua parte está feita, sua

tarefa, cumprida. Lava as mãos para o destino da ninhada. Nosso ponto de partida é

o ninho.

1.Clara e gema

A vida está se formando, um indivíduo está acontecendo. Clara e gema vão

dando origem a alguém. Tudo se desenvolve no interior do ovo, vizinho de outros

ovos, dentro do ninho. Tudo é muito particular, os processos são muito semelhantes.

Ainda não há nada singular, a história ainda não começou. O estado presente das

coisas não passa de uma materialidade se diferenciando, tudo é muito primário, muito

primitivo: o calor do sol sobre a areia, a umidade do chão, o tempo decorrendo,

eterno... o ovo não passa de um ovo, ele ainda não é ninguém. Leva tempo até que

ninguém venha a ser alguém. Espera. Fica uma rodada sem jogar.

4. Ainda no ovo, querendo sair

Pronto, já temos alguém. E esse alguém está começando seus movimentos,

descobrindo suas necessidades e suas vontades. Ele está querendo vir a ser. Seu

primeiro movimento de desenhamento de si, sua primeira atitude em favor de si é sair

do ovo. O ovo foi útil, foi fundamental. Mas, para ser alguém, de verdade, precisa sair

dali de dentro. A natureza da história é, justamente, abandonar ovos, desfazer figuras,

deixar lugares e constituir outros, produzir novos, habitar diferentes. Por mais

acolhedor, seguro, quentinho que seja o ovo, ele não dá a menor possibilidade. Ainda

que a tentação seja grande, é preciso abandoná-lo. Mesmo porque, com as coisas

acontecendo, a gente não cabe mais nele e ele se desmancha. Mas, esperar que ele

se desmanche é muito pouco: vale a pena quebrar a casca e sair, com vontade,

impelido pelo próprio movimento. Então, duas possibilidades: tomar a iniciativa ou

deixar-se à mercê do tempo. Se a escolha for por deixar-se à mercê, volta para o

início da trilha: tudo bem, é um jeito de viver, esse de ser levado, aos trambolhões,

pelas coisas. Mas é um jeito burro... por que abrir mão de ter a prerrogativa de si? Se

a escolha for por fazer seu caminho, boa idéia: avança para a casa número seis.

7. Saindo do ninho

Pensou que era só sair do ovo e pronto? Ledo engano... Os ovos (lembra?)

estão cobertos de areia. Tem que cavar, cavar, cavar para, então, sair para céu

aberto. Aquele sair do ovo era só um ensaio. A história não é fácil: não existe o felizes

para sempre, não existe para sempre. Cada passo é um passo em direção a outro

passo. Passos que se sucedem. Tem passos que já vêm prontos, modelos de

caminhar. E tem passos que ninguém ensina, que ninguém aprende: são passos

únicos em cada desenho. Um detalhe: não dá para ser original o tempo todo; mas não

tem por que deixar-se levar pelos passos pré- estabelecidos, também, o tempo todo.

Bueno, onde estávamos? Ah, na saída do ovo: o fulano saiu do ovo e encontrou-se

envolvido por areia, muita areia. Não dá tempo de tomar fôlego. Não há fôlego. Tem

que cavar, continuar cavando. Diria que esses são os primeiros passos da

tartaruguinha. Sair do ovo foi uma atitude de escolha por si. Sair do ninho será, de

verdade, o primeiro movimento de constituição desse si escolhido, o primeiro

desenho, a primeira figura, o primeiro exercício proposital. Se ela tivesse se deixado à

mercê do crescimento, permanecendo no ovo até não caber mais nele e a casca

quebrar-se por pressão involuntária, talvez não houvesse, também, a conseqüente

iniciativa de cavar (porque ela se deixaria, novamente, à mercê). Mas não é o nosso

caso. Nossa tartaruguinha está decidida e vai cavar, está cavando. Prêmio estímulo -

avança uma casa: são uns punhados de areia tirados do caminho.

11. No exterior do ninho, de cara pro sol

Tudo (o ovo, o ninho de areia, a praia) ainda é dentro. Estar na praia, na

superfície do ninho, ainda é estar dentro. É exterior com relação ao interior do ovo, ao

interior do ninho. Mas ainda não é fora. Até agora, os movimentos têm sido

movimentos primários de constituição de si, de auto-apropriação, de escolha. Até

agora, a tartaruguinha esteve aprendendo as dimensões desse si que está

escolhendo. E, ao sair do ninho, ao chegar na superfície da areia, ela conseguiu

espichar o olho e olhar o mar. O mar é o fora, o não- lugar para onde ela vai. Na areia

aberta, ela está na borda, na fronteira entre o dentro e o fora. Foi difícil chegar aqui.

E, como disse antes, cada passo leva a outro passo, que leva a outro passo. Por

enquanto, ela ainda não chegou a nenhum lugar em que possa ficar um tempo: todos

os lugares a que chegou (o ovo, o ninho, a areia) são lugares que, ao serem

descobertos, percebidos, habitados, precisam logo ser abandonados. Seu horizonte já

abriu, seu olhar já alcança mais longe, ela já percebe que seu mundo mais imediato (

cada um dos nichos descobertos e abandonados) é um pedaço habitado de um

mundo maior. Cada figura sida é um lugar habitado, demarcado no espaço mais

amplo. Provavelmente, não se desse conta disso. Provavelmente, pensava que a vida

era assim mesmo e que o mundo era daquele tamanho. O que ficou para trás, o ovo e

o ninho, são estados de retenção, figuras paradas de uma história. Ovos são bons

para incubar a vida, para proteger o indivíduo enquanto ele se forma: não para

sempre. Ninhos são bons para a gente viver um tempo, para curtir um pedaço da

história. Mas temos de abandoná-Ios, sair fora, desfazê-Ios para, depois, fazer novos.

Então, fez-se a luz e a tartaruguinha entendeu que a vida é para ser vivida, que sua

história deve ser trabalhada, escolhida, produzida dentro de um campo ilimitado de

potencialidade. Sua figura vivida é finita. Porém, sua potência de vir a ser é ilimitada.

E é isso que se descortina diante dela, ali parada, de cara pro sol, de frente pro mar.

O susto é grande. O futuro se agita dentro dela, um vulcão parece querer explodir. Ela

fraqueja. Até que restabeleça seu ímpeto de viver, de vir a ser, fica uma rodada sem

jogar .

14. A caminho do mar

Lá vai ela!.. Lá vamos nós! Correndo o quanto podem correr nossas pequeninas

pernas. Fugindo do calor do sol, dos olhos ávidos das gaivotas, abandonando tudo

que fomos, correndo em direção a tudo que virá, lá vamos nós. Um movimento

irreversível. ..jamais poderemos voltar ao que éramos. E não podemos vacilar.

Quando sabemos que exjste o mar, não há como disfarçar e recusá-Io: somos

tartaruguinhas marinhas. Queremos o mar.

E lá vamos nós, deixando para trás tudo o que fomos, indo em direção ao que

ainda não somos. Mas, no caminho, uma força veio de fora e interferiu tudo: uma

gaivota se atirou e, num vôo rasante, catou a tartaruguinha no bico e levou embora

para o seu ninho, para ser almoçada pelos seus filhotes. Pena. Um raio nos atingiu e

fomos condenados ao ninho. De outro, mas ninho. Pena. Volta para o início e

recomeça sua história.

18. A caminho do mar

Nem sempre a vida é drama. Sempre é trágica, pela radicalidade com que pode

ser vivida. Drama é o final infeliz da casa catorze. Tragédia é a irreversibilidade de

qualquer ato vivido. E há que aprender com isso. O vôo rasante da gaivota, a fome

que ela tem, são inevitáveis. Precisamos contar com isso, aprender com isso. Não

sairemos impunes da vida. Sairemos com marcas, como as casas marcadas deste

jogo. A interferência sempre vem. No meio do caminho, entre o ninho e o mar, não

temos onde nos esconder, onde nos refugiarmos. Voltar para o ninho é perder todas

as conquistas até então conseguidas. Cavar um novo ninho pode acabar com as

reservas de força que temos para chegar ao mar. Precisamos ir em frente. Enfrentar a

gaivota, o sol forte, as poucas forças: essas são as condições que nos atravessam e

com as quais fazemos nossa história. Esta casa serve para fortalecer a tartaruguinha:

não tem punição nem prêmio. É só para dar referência. Aliás, dizer que, no caminho,

não há referência. Não há certificado de garantia nem manual de instruções: as

regras do caminhar são resultado da alquimia de forças vividas, forças que vêm de

dentro e de fora. Apenas uma palavra: vai em frente !

Chegada: o mar!

Fim da primeira etapa. Um ninho foi desfeito e um impulso projetou a

tartaruguinha no mar. Só que o mar é lugar nenhum, é tudo e nada, ao mesmo tempo.

A vida começa aqui, no mar, onde tudo está por fazer. A tartaruguinha, é verdade,

não pode escolher em ser médica ou professora ou modelo: ela vai ser tartaruga. Mas

vai escolher seus caminhos, seus parceiros, suas viagens. E vai construir seus ninhos

muitas vezes. E vai desfazê-Ios a cada vez. Vai sair do mar e voltar ao mar repetidas

vezes. E, assim, vai ser sua vida: no mar absoluto vai desenhar uma trajetória

singular, vai fazer uma história que será só dela. E vai cruzar sua história com outras

histórias, de tartarugas, de peixes, de homens, de correntes marítimas, enfim: vai

fazer histórias. E novos ovos virão, com clara e gema, para alimentar as aves de

rapina ou produzir novos indivíduos parentes da tartarugona-mãe.
 
Prof. Marcos Villela Pereira – UFPEL

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COMPLEXIDADE É VIDA


A soma de nossas experiências é determinante na forma como vamos lidar com os desafios que se apresentam no dia-a-dia. As experiências bem fixadas, permitirão uma análise mais próxima do equilíbrio da resolução. Mesmo não tendo experienciado algo específico que esteja diante de nós, se já desenvolvemos a habilidade de análise e percepção, menos complicado será a resolução. Além do mais, ser complexo não significa ser difícil ou impossível, mas sim, mais rico, mais diverso e com mais opções. Mais uma vez, as experiências contam! Visto que, maior proveito tiraremos de um universo de desafios mais ricos. Cabe ressaltar aqui, que assim como a borboleta precisa fazer esforço com suas asas para romper o casulo e poder voar (pois se a ajudarmos nesse processo, fazendo por ela o esforço, suas asas não terão tônus suficiente para voar e ela morrerá) nós também temos de buscar fazer por nós o processo de crescimento, aprendizagem e fixação, para assim também podermos voar. Alçar vôos maiores frente novos desafios.

by Luciano Steffen

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